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Rescisão Indireta: A Justa Causa do Empregador

A rescisão indireta é um instituto jurídico previsto no artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que permite ao empregado rescindir o contrato de trabalho em razão de faltas graves cometidas pelo empregador. Tal mecanismo tem como objetivo proteger o trabalhador diante de situações que comprometam a relação empregatícia, garantindo-lhe o direito ao recebimento das verbas rescisórias equivalentes à dispensa sem justa causa.

1. Fundamento Legal e Doutrinário

Nos termos do artigo 483 da CLT, o empregado poderá considerar rescindido o contrato de trabalho e pleitear a devida indenização quando o empregador incorrer em condutas que configurem descumprimento de suas obrigações contratuais. Entre as principais hipóteses previstas, destacam-se:

  • Exigência de serviços superiores às forças do empregado;
  • Tratamento com rigor excessivo;
  • Descumprimento das obrigações contratuais;
  • Perigo manifesto de mal considerável à saúde;
  • Práticas que atinjam a dignidade e a honra do trabalhador.

Segundo Maurício Godinho Delgado, a rescisão indireta se caracteriza como uma forma de autodefesa do trabalhador, permitindo-lhe afastar-se do emprego quando as condições de trabalho tornam-se insustentáveis. A doutrina entende que o contrato de trabalho deve ser pautado pelo equilíbrio, sendo imprescindível a observância dos direitos fundamentais do trabalhador.

Por outro lado, Sérgio Pinto Martins defende uma interpretação restritiva das hipóteses de rescisão indireta, ressaltando que a aplicação indiscriminada desse instituto pode banalizar seu caráter excepcional. O autor argumenta que a rescisão indireta deve ser considerada apenas em situações em que o empregador incorre em faltas graves que inviabilizem a continuidade da relação empregatícia.

A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem consolidado o entendimento acerca da rescisão indireta, bem como, os tribunais regionais trabalhistas (TRTs) têm reconhecido a rescisão indireta em casos de atraso reiterado de salários, descumprimento de normas de segurança do trabalho e assédio moral.

2. Faltas Graves do Empregador

A configuração da rescisão indireta exige a ocorrência de faltas graves por parte do empregador, devidamente previstas no artigo 483 da CLT. Entre as mais recorrentes, destacam-se:

2.1 Mora Salarial

A mora salarial, caracterizada pelo atraso ou não pagamento dos salários, representa uma violação grave do contrato de trabalho. Segundo Godinho Delgado, não se trata apenas da inadimplência, mas também dos atrasos habituais que comprometem a subsistência do trabalhador e de sua família.

2.2 Violação de Normas de Segurança e Saúde

A negligência do empregador em relação às condições de segurança do trabalho pode colocar em risco a integridade física e psicológica do empregado. Sérgio Pinto Martins observa que a omissão em fornecer equipamentos de proteção individual (EPIs) ou a exposição a condições perigosas de trabalho são situações que, se não corrigidas, podem ensejar a rescisão indireta.

2.3 Atos Lesivos à Honra e Boa Fama

O assédio moral, a discriminação e outras práticas abusivas que atentem contra a dignidade do trabalhador são amplamente reconhecidos pela doutrina e jurisprudência como fundamento para a rescisão indireta.

3. Procedimento e Ônus da Prova

A formalização da rescisão indireta ocorre mediante a propositura de uma ação trabalhista, na qual o empregado deve demonstrar a prática das faltas graves cometidas pelo empregador. Segundo o princípio da distribuição dinâmica do ônus da prova, cabe ao empregado apresentar indícios de irregularidades, enquanto ao empregador compete demonstrar o cumprimento de suas obrigações.

Maurício Godinho Delgado destaca que, em determinadas situações, a inversão do ônus da prova pode ser aplicada, especialmente quando a documentação necessária se encontra sob o controle do empregador. Martins ressalta, ainda, que é fundamental a coleta de provas robustas, tais como:

  • Registros de comunicação interna;
  • Depoimentos de testemunhas;
  • Relatórios médicos e de segurança do trabalho;
  • Gravações ambientais, quando permitidas pela legislação.

4. Conclusão

A rescisão indireta do contrato de trabalho representa um importante mecanismo de proteção ao empregado, garantindo-lhe o direito de rescindir o vínculo empregatício quando confrontado com faltas graves do empregador. No entanto, sua aplicação deve ser respaldada por uma análise cuidadosa dos fatos e pela reunião de provas adequadas, a fim de assegurar a procedência do pedido na Justiça do Trabalho.

A doutrina e a jurisprudência demonstram que, embora seja um instrumento de defesa do trabalhador, a rescisão indireta deve ser manejada com cautela, evitando-se sua banalização e garantindo o equilíbrio nas relações laborais.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Súmulas e Precedentes Normativos do TST. Disponível em: https://www.tst.jus.br. Acesso em: 19 jan. 2025.

BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em: https://www.planalto.gov.br. Acesso em: 19 jan. 2025.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 19. ed. São Paulo: LTr, 2021.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 39. ed. São Paulo: Saraiva, 2023.

Um comentário

  1. Micaela

    Adorei muito bem feito

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